Ousadia e criatividade põem São Paulo no mapa queijeiro internacional
18-01-2022 12:47:35 Por: Flávia G. Pinho, Folha de São Paulo
O estado de São Paulo nunca foi reconhecido pela tradição queijeira. Não é uma cultura passada de pais para filhos, como acontece em Minas Gerais.
Pois é justamente essa característica peculiar que está por trás da notoriedade que as queijarias paulistas têm conquistado dentro e fora do Brasil. Por se tratar de um movimento recente, que não tem mais de dez anos, os queijeiros daqui têm como ponto em comum a ousadia e a criatividade.
Sem as amarras de receitas antigas, inventam sem parar e propõe inovações que têm impressionado até mesmo a pátria do queijo. Na última edição do concurso Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, realizado na França em setembro de 2021, seis produtores paulistas voltaram para casa com 15 medalhas, incluindo uma Super Ouro, a mais cobiçada delas.
"Como não temos nenhuma legislação a seguir ou código cultural que nos prenda, temos liberdade total. E somos totalmente malucos", diverte-se a Heloísa Collins, do Capril do Bosque, queijaria especializada em queijos de cabra.
Ela voltou da França com uma medalha de prata pelo Dolce Bosco, queijo azul de cabra inspirado no gorgonzola dolce italiano —no e-commerce da marca, a unidade de 200 gramas sai por R$ 49. Mas ela arrisca muito mais em sua queijaria, localizada em Joanópolis.
O Cacauzinho (R$ 22, 80 gramas) é maturado sob uma camada de cacau em pó e cumaru. O Coração em Brasa (R$ 32, 160 gramas) leva pimentas mexicanas e uma cobertura de carvão com mofo branco.
Quem também se especializou em testar ingredientes e técnicas de maturação foi a queijeira Carolina Bittencourt, outra medalhista no Mondial du Fromage —seu queijo Bem Brasil Extra Maturado (R$ 82, 500 gramas) faturou o ouro no concurso.
À frente da queijaria Belafazenda, em Bofete, ela ainda produz o Sinueiro, que envelhece envolto em bandagem de algodão e banha de porco (R$ 35, 200 g).
Basta observar o currículo dos novos queijeiros paulistas para encontrar outro ponto em comum: a maioria tem formação superior em outras carreiras e passaporte vastamente carimbado, o que se traduz em mais repertório.
São historiadores, veterinários, publicitários e ex-executivos que decidiram mudar de vida e passaram a estudar sobre produção queijeira, dentro e fora do Brasil. Não por acaso, inspiram-se em receitas clássicas, geralmente de origem europeia, mas têm coragem e domínio técnico suficiente para criar produtos autorais.
Engenheiro eletrônico de formação e ex-executivo de multinacional, o francês Christophe Faraud trocou o país natal por um sítio em Natividade da Serra. Depois de alguns estágios em queijarias na França, começou a produzir "na cara de pau" em 2016, em parceria com a mulher, Zeide.
Uma das criações da dupla Christophe & Zeide é o queijo Caetê (R$ 50, 225 g), de massa prensada semicozida, que matura por até 90 dias embrulhado em folhas de caetê. "Trocar uma carreira corporativa para fazer queijo exige estudo e alguns parafusos soltos", ele garante.
Embora disputem uma mesma fatia de mercado, os queijeiros paulistas trabalham cada vez mais unidos. Cerca de seis dezenas deles já integram a Associação Paulista do Queijo Artesanal, entidade que Christophe fundou em 2017 com o objetivo de lutar por leis mais acessíveis, que permitam aos pequenos produtores regularizar suas queijarias.
No mesmo ano, um grupo de dez queijeiros se uniu para formar o Caminho do Queijo Artesanal Paulista, rota turística que acaba de ser atualizada e já incorpora 13 propriedades rurais, produtoras de queijos de vaca, búfala, cabra e ovelha.
A maioria recebe visitantes e organiza degustações, mas em algumas delas também é possível fazer refeições nos fins de semana e feriados —caso do Capril do Bosque, que mantém um pequeno bistrô, e da Fazenda Atalaia, uma bela construção histórica, em Amparo, que serve café da manhã e almoço.
Também há queijarias em destaque no programa Rotas Gastronômicas SP, da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo.
Embora os queijos de longa maturação sejam a bola da vez, há queijeiros paulistas investindo no caminho inverso. A Brivido (brivido.com.br), do queijeiro Francisco Lobello, tem como especialidades o queijo branco fresco, que chega à casa dos clientes um dia após a produção, e a ricota cremosa, inspirada na receita italiana, bem diferente da versão industrializada.
O leite vem de propriedades vizinhas e a fábrica, novinha em folha, acaba de se mudar da capital para Jacareí —a intenção é abri-la aos visitantes em breve.
Já as muçarelas de búfala, em barras ou em bolotas de tamanhos variados, são o carro-chefe do laticínio Oro Bianco, em Guaratinguetá (orobianco.com.br). O queijeiro Simon Riess, formado na Itália e na Alemanha, usa leite de rebanho próprio, faz entregas em São Paulo e recebe turistas, basta agendar.
Embora a arte queijeira seja recente no estado, tem gente que jura estar seguindo receitas seculares. Quando a família de Rodrigo Ferraz adquiriu um sítio no Vale do Baú, entre Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí, descobriu que os moradores do entorno produziam queijo à base de leite cru de vaca.
"Era feito por ali havia mais de cem anos, provavelmente trazido por famílias mineiras, que migraram para São Paulo em busca da riqueza no ciclo do café", diz Ferraz, que aprendeu a técnica para dar sequência à tradição —pelo Instagram @queijodobau, ele vende o queijo e agenda visitas à propriedade.
Já o porungo, receita de Angatuba que a família de Jolice Cardoso conhece há gerações, é feito como o queijo cabacinha mineiro, ou o caccio Cavalo italiano —trata-se de uma massa cozida, como a muçarela, modelada em forma de cabaça. "As outras famílias que fazem esse queijo aqui aprenderam a receita com a minha avó", garante Jolice, que aceita encomendas pelo WhatsApp (15) 99607-8435.
Comprar queijos artesanais paulistas requer mesmo um tantinho de dedicação —produzidos em pequena escala, eles não chegam aos supermercados, mas a maioria é entregue na capital por encomenda, através de lojas próprias online, do Instagram ou do WhatsApp.
Pode ser prático, mas não tão gostoso quanto visitar pessoalmente uma loja especializada. Na Galeria dos Queijos (galeriadoqueijo.com.br), localizada dentro do Hortifruti Imigrantes, uma conversa com o proprietário Falco Bonfadini pode render descobertas interessantes —jurado do Prêmio Queijo Brasil e do World Cheese Awards, realizado na Inglaterra, ele sempre tem novidades.
"Os queijos que mais cresceram nas vendas foram os mais maturados, com cascas lavadas ou mofos. Os clientes estão se permitindo experimentar mais", revela.
O crivo de Fernando Oliveira também é garantia de queijo bom. Fundador da loja A Queijaria, na Vila Madalena, e autor do Guia do Queijo (guiadoqueijo.com.br), ele garimpa produtos artesanais de todo o Brasil e mantém uma queijaria-escola, por onde passaram vários queijeiros paulistas premiados.
Nas turmas, ele diz, a cada dez alunos, seis são de São Paulo —o que indica que a cultura queijeira no estado está só começando. Sorte nossa.
Comer, Compar, Viajar: Roteiros paulistas para amantes de queijos artesanais.
Caminho do Queijo Artesanal Paulista: Das 13 propriedades rurais, nove recebem visitantes com agendamento prévio ou vendem os queijos no local. Entre as premiadas estão a Pardinho Artesanal (pardinhoartesanal.com.br), medalha super ouro no Mondial du Fromage com o Mandala 12 meses, e a Queijo com Arte/Fazenda Santa Luzia (queijocomarte.com.br), que trouxe uma medalhas de ouro e duas de prata pelos queijos Gregório, Fernão e Tropeirinho.
No site da organização, é possível adquirir a caixa Descubra o Caminho do Queijo, contendo três produtos sortidos, uma tábua e o pôster do MAPA, por R$ 200 (frete grátis para a cidade de São Paulo). caminhodoqueijopaulista.com
Rotas Gastronômicas: São três rotas organizadas por regiões (Vale do Ribeira, Vale do Paraíba & Mantiqueira, e Baixada Santista & Litoral Norte). No site, é possível conhecer as histórias de cada participante, entre eles a Estância Silvania, que produz os queijos SilvaniA2 (@leitea2a2) – a queijeira Camila Almeida Alves voltou da França com duas medalhas de ouro, pelos queijos Primavera Silvania, maturado com flores comestíveis, e Serrinha Cerveja, de casca lavada na cerveja artesanal.
As informações são da Folha de São Paulo.